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O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF.


Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.)
– Bom dia, Sr. Presidente. Bom dia a todos os Senadores e Senadoras.
Em julho de 2008, o Presidente Lula sancionou uma lei que todos imaginamos que era um primeiro passo na direção de termos no Brasil um quadro de professores bem remunerados. Foi a Lei do Piso. Vejam que, apesar de o objetivo ser o de uma categoria bem remunerada, o piso era de R$950 por mês. Baixíssimo! Mas era um salto.
    Era um salto, Senadora, já que, pela primeira vez, dizia-se: professor é uma coisa federal; é uma questão nacional; é uma preocupação do Brasil, não do pobre Município, não do pobre Estado.
    Essa lei já começou sendo contestada porque se dizia que era inconstitucional o Governo Federal impor uma lei aos Estados. Ora, o piso de todos os trabalhadores, chamado salário mínimo, é uma decisão nacional. Todos têm que adotar. E ninguém contesta a constitucionalidade de muitas leis federais que temos neste País, mas se contestou a dos professores. É como se, em 1888, alguns tivessem contestado a Lei Áurea, dizendo que deveria haver Estados com escravos e Estados sem escravos, como, aliás, durante um século, ocorreu nos Estados Unidos. Havia estados que já tinham abolido a escravidão e outros que a mantinham.
     Isso foi superado depois de uma luta de anos, quando o Supremo disse que havia total constitucionalidade na lei. Mas agora surge outra contestação dentro da lei. É que a lei que é de minha iniciativa, que propunha um salário mínimo para todos os professores, foi muito engrandecida pela Deputada Fátima Bezerra, que colocou um artigo que dizia: a carga horária do professor deve ser dividida em duas partes. Uma parte de no máximo dois terços da carga de trabalho dentro da sala de aula, como atividade pedagógica direta; e um terço como atividade pedagógica de acompanhamento dos alunos, de preparação de aulas. Mas isso começou a ser contestado agora. E foi contestado com artifícios como, por exemplo, dizer que os dez minutos em que o professor vai de uma sala para outra não devem ser contados como parte das aulas. Isso também é uma atividade de sala de aula.
     Ora, não dá para fazermos artifícios. Precisamos considerar com seriedade o assunto. E houve contestações e contestações até que, no dia 31 de janeiro, um juiz do Rio de Janeiro deu uma declaração que, a meu ver, encerra o assunto legal. Mas, Senadora Ana Amélia, esse é um assunto educacional perigoso. Ele disse com clareza, com clareza nítida, que é preciso que haja um terço de disponibilidade da carga horária para atividades de preparação de aula, de acompanhamento dos alunos.
      Pois bem, depois de greves em todos os lugares, o Sindicato dos Professores de São Paulo teve a lucidez de procurar resolver o assunto pela Justiça. A Justiça deu seu pronunciamento, e o assunto continua pairando, porque ninguém sabe como contabilizar.
      Não há dúvida, pela declaração do juiz, de que temos de considerar aqueles dez minutos como parte da aula, até porque o professor não sai, como no filme de televisão, em que as pessoas se mudam de um lugar para o outro simultaneamente. Ao longo do caminho, eles estão conversando, estão ouvindo. É aula.
      Qual é a minha preocupação, Senador Moka – e esta é uma preocupação grave? Para que isso seja possível, de fato, será necessário contratar mais professores. Tirar todos os professores de atividades administrativas e colocá-los na sala de aula já seria uma grande ajuda. Oferecer condições para que os professores não fiquem doentes, como ficam no Brasil, dá mais professores. Mesmo assim, é um terço a mais de aula.
     E temo que, de repente, surja um acordo entre os que têm poder para que se resolva o problema diminuindo o número de aulas que os alunos têm a receber ao longo do ano, ou seja, organizar o um terço e os dois terços diminuindo o número de aulas.
     A Lei Áurea já trouxe algo assim, porque libertou os escravos, mas não deu a terra. A Lei Áurea deveria estabelecer: os escravos passam a receber, neste momento, um pedaço das terras onde trabalham. Não, foram libertados e jogados na miséria, jogados na pobreza, expulsos para as favelas.
     Temos essa experiência de fazer as leis para beneficiar e de driblá-las. Precisamos evitar isso. Só há uma saída: um acordo, um pacto entre professores e Governo, dando um prazo de alguns meses para fazer os concursos necessários, a fim de que o número de professores seja suficiente para reduzir a carga horária em sala de aula a dois terços da sua carga de trabalho, para que eles tenham um terço da carga de trabalho destinado a preparar aulas, a orientar alunos. Essa é minha primeira preocupação, Senador Moka.
     Isso não dá para ser imediato. Esperaram dois anos para começar a fazer isso, três. É um absurdo que governadores e prefeitos tenham esperado três anos para começar a fazer isso. De qualquer maneira, foram irresponsáveis, mas não podem ser mágicos, não podem ser mágicos. É preciso começar já, abrindo os concursos, e é preciso que os professores saibam que, dentro de alguns meses, por uma espécie de acordo de conduta, essa lei será aplicada.
      Essa é a primeira preocupação, mas eu tenho outra, Senador Moka. É que, da maneira como está sendo interpretada, uma parte das horas fora da sala de aula é na escola e uma parte das horas fora da sala de aula será fora da escola, onde o professor quiser. Aí começo a temer. Começo a temer porque, com os salários que recebem e diante da inexistência do instituto da exigência de dedicação exclusiva ao trabalho do magistério, eu temo que essas horinhas que conseguimos na lei graças ao artigo colocado pela Deputada Fátima Bezerra sirvam para que o professor procure outro trabalho, para que o professor continue com a ideia de ter ganchos para compensar os baixos salários que têm.
     Não é essa a intenção da lei. A intenção da lei é aumentar o tempo do professor para que ele possa dedicar-se a uma atividade acadêmica competente quando estiver em sala de aula e fazer o acompanhamento das crianças com problemas, das crianças com dúvidas, para que elas possam não apenas receber aula no meio das outras crianças, mas terem um atendimento privilegiado, particular, de orientação individual quando for preciso.
     Será muito triste, Senador Moka, se uma lei que foi feita para beneficiar a educação beneficie governo, não aumentando gastos, e professor, reduzindo o número de aulas em sala de aula. Nós temos de exigir do Governo que use os seus recursos para contratar os professores adicionais necessários para reduzir essa absurda, essa criminosa carga de 40 horas dentro de sala de aula falando, dentro de sala de aula dando aula. Isso é um crime contra o País. Não pode continuar.
     Minha proposta, na verdade, seria: 50% de aula e 50% de preparação de aula e acompanhamento pedagógico das crianças. Não conseguimos 50%, conseguimos apenas um terço, mas esse terço tem de ser cumprido sem sacrificar as crianças, sem reduzir o número de aulas, sem reduzir o tempo anual que as crianças ficam e sem eliminar disciplinas, que eu temo, como se a Lei do Piso fosse implantada às custas de a LDB não ser implantada. Nós estamos vendo esse risco.
      E outro é que o tempo que os professores vão estar fora da sala de aula – que eu não chamo de tempo livre, isso não é tempo livre, é fora da sala de aula – seja usado para atividades pedagógicas dentro e relacionadas com a escola onde eles estão, com os alunos que eles têm, e não como forma de complementar a renda ou como forma de aumentar um pouquinho as férias que eles poderiam ter todos os dias.
     Eu faço um apelo aqui para que haja um pacto de conduta entre governos ao longo deste País, municipais e estaduais, e os professores que esses Municípios e Estados têm, para que a Lei do Piso seja entendida como uma lei para beneficiar o aluno. Não é para beneficiar o professor, é para beneficiar o aluno. Isso é um direito óbvio do professor, porque sem isso ele não cumpre bem sua função. O professor não está sendo beneficiado. Ele está sendo prestigiado em nome da educação. Beneficiada é a educação das crianças. Nós não podemos abrir mão disso.
     Nós fizemos a Lei do Piso 119 anos depois da Proclamação da República. Passamos 119 anos sem isso. Foi um crime longo demais. Não podemos, agora, pegar essa lei tão difícil e deturpá-la. Os governos querem rasgá-la, os governos estaduais e municipais, desde aqueles que pediram a inconstitucionalidade, desde aqueles que entraram com liminares na Justiça para conseguir impedir o cumprimento.
      Os professores lutam por ela, mas devem lutar não pensando no benefício próprio, mas pensando no beneficio para a educação; não dizendo à população que eles querem um terço de liberdade de trabalho, mas dizendo que eles querem que o seu trabalho seja eficiente, pleno, completo. Para isso, uma parte na sala de aula, uma parte em salas onde possam acompanhar os alunos, preparar aulas, ler livros e estudar.
      Eu concluo, ao lado desse apelo aos professores, sugerindo que leiam o que o Juiz, o Dr. Luiz Fernando Camargo Vidal fez em nome da aplicação da Lei do Piso. É longo o parecer. Não vou ler como gostaria, porque merece. É uma peça que merece ser lida.
      Que entendamos que tudo isso que ele está dizendo aqui só faz sentido se for feito o exercício de beneficiar os alunos e a educação, dando condições aos professores. Não se trata de benefício aos professores. Se os professores transformarem essas condições em benefícios de redução da dedicação deles, mata-se a Lei do Piso. A redução do tempo de trabalho dentro de sala de aula não é uma redução do trabalho. O trabalho continua sendo de 40 horas, apenas uma parte em sala de aula, outra parte fora da sala de aula. Eu temo que isso não seja cumprido, que não fique dentro da escola, que usem o tempo para benefício próprio, em alguns casos, e temo que se possa reduzir a carga de matérias. Para atender a carga de aula dos professores, reduz-se a carga de disciplinas, como aconteceu recentemente em um Estado: eliminou-se Física do ensino médio porque não havia professor. É inacreditável! É como se dissesse que não precisa de oxigênio o doente no hospital. Já que não há oxigênio, não precisa de oxigênio. A mesma coisa é dizer: não se precisa de Física, ou de Matemática, ou de História, ou de Geografia, porque não há dinheiro, nem professor. É preciso contratar professores.
      Além desse pedido de que haja um acordo na ótica do interesse da educação e da criança, e não na ótica do interesse do Governo, ou na ótica do interesse do professor, quero lembrar aqui o discurso do Senador Acir e pedir que outros Senadores se incorporem numa frente parlamentar em defesa da federalização da educação. Além disso, o piso é federal e obriga o Município a pagar. Como, se o Município não tem condições?
      O Governo Federal tem que fazer da educação uma questão nacional. Enquanto a educação de base não for uma questão nacional, não teremos a educação de base que nós merecemos, a qualidade e, sobretudo, não teremos a educação de base igual no Brasil inteiro, nas mesmas condições.
Alguém pode perguntar: “Mas as escolas não têm de ter especificidade local?” Claro que têm. Por exemplo, em Roraima, Senador, a escola tem de ter ar-condicionado central. Não precisa disso no Sul. A arquitetura tem de ser especial.     O conteúdo pode variar, mas a qualidade do professor, não; o salário do professor, não; a qualidade – não as especificidades – do edifício, não. Os equipamentos não podem ser diferentes, como não são no Banco do Brasil. Em qualquer cidade deste País que você for o Banco do Brasil tem um computador igual, tem um funcionário com o mesmo salário, tem ar-condicionado onde você for. O Correio onde você for tem a mesma qualidade. Aliás, as casas lotéricas neste País têm as mesmas condições aonde você for. As escolas são completamente diferentes. Você entra numa agência do Banco do Brasil, numa rua de uma cidade pequena, e vê uma agência do Banco do Brasil com a mesma qualidade de uma em São Paulo. Você atravessa a rua e entra numa escola pública, você vê a diferença fundamental de outras escolas públicas, às vezes até dentro da mesma cidade.
      Só a federalização, só fazendo a educação uma questão educacional. Todo país em que a educação é boa, ela pelo menos iniciou-se federal, depois até passou para local.
Fico feliz de ver o Líder do PDT defendendo essa proposta. Creio que está na hora de criarmos uma frente parlamentar em defesa da federalização da educação brasileira.
Era isso que eu teria para dizer, mas passo antes a palavra, com muito orgulho, ao Senador.
 
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB – RR) – Senador Cristovam, eu estou convencido de que realmente essa sua tese é a solução para a questão da educação no Brasil. Depois de vermos, sucessivamente, que a educação, até no que tange a estar todos na escola... Parece que essa meta foi atingida. O problema é em que escolas estão, e a razão de as escolas serem precárias é justamente como V. Exª colocou: além de o Município e o Estado não terem condições, como ainda ficam à vontade para administrar os recursos, a corrupção é enorme na área de educação, como também ocorre na área de saúde, lamentavelmente. Mas eu tenho conhecimento e denúncias – inclusive fatos comprovados – de que começa pela merenda escolar, passa pelo transporte escolar, passa até pela gratificação a que os professores têm direito. Enfim, é preciso realmente que haja uma mudança. Quero concordar com V. Exª que só a federalização pode solucionar o problema, porque aí chega-se ao cerne, que é a valorização, a condição de o professor realmente ensinar direito. Então, quero cumprimentar V. Exª e dizer que deveríamos mesmo fazer um movimento.      Embora sendo médico, tenho certeza de que mais importante do que cuidar da saúde é mesmo cuidar da educação. Quando fazem essas pesquisas nacionais, a população reclama como item número um o mau atendimento na saúde, mas muitas vezes a pessoa adoece porque não teve educação, não aprendeu noções básicas de prevenção e é até incapaz de entender isso. Então, é preciso, sim. Que educação e saúde estejam sempre caminhando juntas e que tudo seja federalizado. Também na saúde a questão de não federalizar é ruim. Portanto, quero cumprimentar V. Exª e dizer que concordo plenamente, porque somente assim o professor terá salário condigno e dignidade para trabalhar.


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF) – Muito obrigado, Senador Mozarildo.


      Com isso, podemos dizer que a nossa frente tem pelo menos três Senadores que entendem. Eu vejo ali a Senadora Ana Amélia dizer que é a quarta Senadora.
Não há outro caminho. Temos de discutir como, temos de discutir quanto custa, temos de discutir quantos anos precisaremos para implementar esse sistema em todo o Brasil, podemos discutir como manter a especificidade da escola, conforme as características do lugar, mas a criança, quando nasce, primeiro ela é brasileira; depois, gaúcha. Primeiro ela é brasileira, depois de Roraima, depois de Pernambuco ou de Brasília. Primeiro é brasileira. Portanto, deve ser tratada como brasileira e, dessa forma, com as mesmas condições, com as mesmas chances, com a oferta da mesma educação e dando a ela a saúde necessária, porque, caso contrário, não estuda. Educação é mais importante, mas saúde é mais urgente, pois deve ser resolvida naquele instante.
      Senador, eu agradeço o tempo e fico feliz por V. Exª estar na Presidência na primeira sessão deste ano. Desejo a todos nós que tenhamos um ano muito produtivo em todos os aspectos da vida nacional e mais ainda na questão da educação.

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